Ansiedade, angústia e medo da Covid marcam retomada à vida presencial
Insegurança na volta ao
escritório, falta de coragem para encontrar os amigos, receio de contato com
colegas que frequentam festas clandestinas, pavor de transmitir a Covid-19 para
os familiares e medo de não perder o medo do vírus. Estas são algumas das
angústias relatadas por aqueles que ainda não se sentem confortáveis com a
retomada à vida presencial.
Há mais de um ano e meio, a pandemia fez com que escolas
adotassem o modelo de ensino a distância, escritórios apostassem no home office
e encontros entre amigos se restringissem a conversas por videochamadas.
Com o avanço da vacinação e uma queda no número de casos de
Covid-19, medidas de contingência vêm sendo abrandadas na maioria dos estados
do país. Porém, há quem não se sinta confortável com a retomada da vida
presencial.
Taíse Cavasin Dalazen, 34, vive em constante estado de
pânico. Ela, que mora em Florianópolis, diz que seu isolamento ainda é severo,
com poucas saídas — coragem para ir ao supermercado, por exemplo, ela só teve
no início deste ano.
Agora, com os amigos imunizados com a primeira dose da vacina
e já querendo se reencontrar, Taíse ainda não sente coragem. "Mesmo que
seja em um lugar arejado, com distanciamento, uso de álcool gel, sei que vou
ficar em pânico. Ainda não me vejo saindo de casa tranquila. Me surpreende que
pessoas que tinham o privilégio de trabalhar de casa não pararam quietos
durante a pandemia", diz.
Em meio à aceleração de casos da variante delta e debates em
relação à necessidade de terceira dose das vacinas contra a Covid-19, o medo e
a ansiedade leve são legítimos, afirma o psiquiatra Daniel Costa, do Hospital
das Clínicas.
Ele sugere que, nestes casos, as pessoas optem por retornos
graduais e aumentem a exposição gradativamente. Mas, para quem ainda assim
experimentar sintomas de ansiedade que se assemelham a síndrome de pânico, a
busca de profissionais de saúde mental é o caminho mais indicado para que o
retorno seja menos sofrido.
Essas angústias quanto à retomada já se transformaram em
siglas, que vêm sendo usadas em países como Estados Unidos e Inglaterra, como
Fomu e Forto, que, traduzidos para o português, se referem ao medo de encontrar
outras pessoas e medo de se retornar ao escritório, respectivamente.
Para Katty Zuniga, psicóloga e pesquisadora do laboratório de
estudos de psicologia e tecnologias da informação e comunicação da PUC-SP, a
ansiedade, a depressão e o estresse podem aflorar em qualquer momento da vida,
mas a pandemia, com certeza, foi um acelerador, tanto no início quanto agora na
volta.
Além disso, ela afirma que o distanciamento deixa marcas,
tanto entre jovens e crianças que estão em fase de autoconhecimento como em
adultos, que tiveram de equilibrar a rotina familiar com o home office.
De acordo com uma pesquisa da Associação Americana de
Psicologia, publicada em março deste ano, 49% dos adultos admitiram que se
sentiriam apreensivos com as interações presenciais, mesmo no pós-pandemia. Na
época, a pesquisa não detectou diferença de respostas em relação ao medo entre
adultos vacinados e aqueles que ainda não haviam recebido o imunizante.
Professora de redação e inglês de uma escola particular em
Duque de Caxias (Rio de Janeiro), Nathalie Gonçalves, 26, trabalha com crianças
de 8 a 14 anos. Ela já recebeu as duas doses da vacina e, desde fevereiro,
trabalha em um sistema híbrido, com parte dos alunos em casa e outra parte na
sala — que atualmente já registram quase metade de ocupação.
Além dos problemas do dia a dia do trabalho, ela se sente
ainda mais ansiosa, com vontade de lavar a mão a todo momento e, ao mesmo
tempo, lidar com a dificuldade de manter a distância com as crianças.
"Como eu vou dizer 'não' quando ouço um 'tia, amarra meu tênis?' ou 'tia,
ajeita meu casaco?'"
Ela vive com a mãe e com a avó e, apesar de todas estarem
imunizadas, ela não se sente tranquila para sair. "O pior é abrir o Instagram
e ver um conhecido num casamento cheio de gente", lamenta.
No estado de São Paulo, as aulas presenciais foram retomadas
no início de agosto. Porém, cerca de 80% dos professores, alunos e pais seguem
com medo de serem contaminados pela Covid-19, conforme mostrou um estudo
encomendado pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado
de São Paulo) ao Instituto Vox Populi.
O contrário aconteceu com Jucilei Fidelis Signoreto, 15, que
vive em Valinhos (São Paulo). Ele relata que estava feliz com o retorno das
aulas em sala de aulas, já que em casa sentia dificuldade nas aulas online,
devido a problemas de conexão com a internet e falta de espaço isolado para
estudar.
Porém, logo na primeira semana, sua escola foi fechada após
um caso de Covid-19. Signoreto diz que passou a sentir receio das aulas ao
descobrir que alguns colegas frequentam festas, não utilizam máscaras e no dia
seguinte vão para a escola. Ele lamenta as atitudes dos amigos, mas segue
frequentando a escola, mesmo que com medo.
Para o psicoterapeuta Leo Fraiman, atitudes como as dos
colegas de Signoreto refletem sobre outro lado, ou seja, que não apenas adultos
e jovens conscientes manifestam angústia com as retomadas.
"Muitas vezes, a mesma família que permite que o filho se aglomere em jantares com os amigos e frequente baladas, não quer que o mesmo aglomere na escola", diz Fraiman. Para ele, existe uma certa dissonância frequente na família brasileira, principalmente da classe média e classe média alta, que trata o filho com um certo "coitadismo exagerado".
Para ele, a pandemia piorou aquilo que já era notado nas
escolas, em que pais e alunos se consideram clientes de professores e, por
isso, acham que têm sempre razão.
"Existem muitos custos para a sociedade em consequência dessas atitudes individualistas, em que cada um fica na sua bolha", diz o especialista que compara essas situações com as de um "filme de terror em que a maioria se recusa a acreditar".
Por
Isabella Menon/FolhaExpress
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